Bruno Garcez Da BBC Brasil em Londres
Uma senhora com óculos de aros grossos e que usava materiais como garrafas de leite, vassouras, chaves, fitas magnéticas e película de filme para produzir música foi uma das pioneiras do tecno e de outras variantes da música eletrônica.
É o que mostra uma exposição em cartaz no Science Museum, de Londres, dedicada à compositora britânica Daphne Oram, nascida em 1925 e morta em 2003.
Pianista de formação e compositora, Daphne começou sua carreira, em 1943, aos 18 anos, como engenheira de som de programas da BBC.
Apaixonada por eletrônica, ela passou aos poucos a realizar experimentos com os grandes gravadores que povoavam os estúdios da corporação e com os recursos que tinha à mão.
No começo, sua função se limitava a garantir que as atrações radiofônicas da BBC estivessem com o som devidamente balanceado e a produzir efeitos sonoros para peças de radioteatro.
Mas ela tinha por hábito passar horas além de seu horário, nas quais aproveitava para compor peças de música eletrônica e a explorar tudo que os estúdios ofereciam.
No final da década de 50, ela foi uma das pioneiras da lendária BBC Radiophonic Workshop, que existiu de 1958 a 1995 e que tinha por função produzir efeitos sonoros inovadores e trilhas sonoras para programas de rádio, tendo criado as trilhas de atrações como Dr. Who e The Hitchhiker's Guide to the Galaxy.
Daphne acabou passando apenas um ano à frente da BBC Radiophonic Workshop, já que queria desenvolver as suas próprias composições em vez de trilhas sonoras de encomenda.
O equipamento tinha um sistema capaz de converter imagens em sons. Ela permitia que músicos desenhassem ondas sonoras em slides que eram colocados dentro de um gerador de som e que produziam um tom. Como havia quatro pistas, a máquina era capaz de gerar quatro tons.
Estes tons eram depois manipulados por Daphne, por meio de desenhos que ela fazia em películas de 35 milímetros que eram colocadas dentro da máquina.
Cada uma dessas tirinhas de filmes produzia diferentes efeitos, uma poderia fazer com que o som ficasse mais agudo, outra poderia contribuir para a reverberação, por exemplo.
''Era um equipamento extremamente complexo. Daphne dividiu o processo em dois. Primeiro desenhava as ondas sonoras que seriam lidas por uma espécie de fotocopiadora, mas que só gerava um único tom. Em seguida construiu um outro dispositivo que ela chamava de programador, onde colocava pedaços de película nos quais podia fazer desenhos capazes de alterar o volume ou gerar um vibrato e, com isso, compor uma melodia'', afirma a curadora assistente do Science Museum.
Os sons sintetizados do oramics geravam melodias que podiam soar futuristas ou apropriadas a um filme de terror. Não é à toa que Daphne criou efeitos sonoros para um filme de terror britânico Os Inocentes, de Jack Clayton.
Ela chegou a ser contactada por Stanley Kubrick para produzir efeitos sonoros para 2001, Uma Odisséia no Espaço, mas o projeto acabou não indo adiante.
Ainda que fizesse trilhas sonoras ocasionais, Daphne seguiu em seu projeto de criar suas próprias composições, o que tornou seu sustento bem difícil e fez com que ela terminasse a vida na pobreza.
''Ela era completamente dedicada à sua música. E no final da vida, estava batalhando para manter sua casa e pagar sua comida. Muitos amigos chegavam a deixar cestas de alimentos para que ela pudesse se alimentar.''
''Ela trabalhava em seu próprio estúdio e não era ligada a grandes companhias que enriqueceram graças à fabricação de sintetizadores que ganharam fama mundial, como as americanas Moog e EML. Ela produzia tudo sozinha, às vezes, no máximo, tinha o auxílio de engenheiros para montar seus equipamentos, mas procurava desvendar as possibilidades de seus experimentos por conta própria. Por conta disso tudo, ter reconhecimento era bem mais difícil'', afirmou Merel Van Der Vaart.
A mostra no Science Museum não exibe o oramics original, já que este não está mais operante, mas sim uma réplica desenvolvida por especialistas do museu.
A exposição londrina reúne ainda imagens e filmes de época mostrando a compositora em ação e permite ainda que o visitante confira uma réplica do oramics original e ainda brinque com um dispositivo interativo que permite criar sons semelhantes ao do oramics. Por conta da mostra, a Goldsmiths University, de Londres, que reúne o acervo de Daphne, criou ainda um aplicativo para iPhones que reproduz o som do oramics.
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