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Ideais de casamento burguês são metas inalcançáveis, diz filósofo

Princesa Charlene põe anel no dedo do príncipe Albert II de Mônaco (VALERY HACHE/AFP/Getty Images)
Ambições múltiplas do casamento burguês são quase impossíveis, afirma Botton

Esperar do casamento amor, desejo e uma família feliz é praticamente pedir o impossível.

Eu odiaria lançar calúnias sobre o casamento no mesmo ano de um encantador casamento real e quando o primeiro-ministro desperdiça poucas oportunidades para se pronunciar a favor desta nobre e antiga instituição. No entanto, vale a pena pensarmos sobre o que esperamos que o casamento nos propicie nos dias de hoje.

Nenhuma das emoções que esperamos encontrar em um bom casamento moderno é incomum por si só. Nós as encontramos na arte e na literatura em todas as culturas e épocas. O que faz do casamento moderno extraordinário em suas ambições é a expectativa de que essas emoções sejam mantidas ao longo de toda uma vida com a mesma pessoa.

Os trovadores da Provença do século 12 tinham uma apreciação complexa do amor romântico: a dor gerada pela visão da figura graciosa, a insônia provocada pela perspectiva do encontro, o poder de algumas poucas palavras ou olhares para determinar o estado de espírito de alguém. Mas estes cortesãos não expressavam qualquer desejo de mesclar suas valorizadas emoções com intenções paralelas de criar uma família ou mesmo de dormir com aquelas a quem eles amavam ardentemente.

Emoção subversiva

Os libertinos da Paris do século 18 estavam, em temos comparativos, bem familiarizados com o repertório emocional do sexo: o prazer de desabotoar a peça de roupa de alguém pela primeira vez, a excitação de explorar um ao outro à luz de velas, a emoção subversiva de seduzir alguém secretamente durante a missa. Mas estas aventuras eróticas também compreendiam que seus prazeres tinham muito pouco a ver com preparar a cena para a amizade de companheirismo ou a criação de um berçário cheio de crianças.

Kate Middleton e príncipe Wlliam  (AP)Quanto ao impulso em se agrupar em pequenos grupos familiares dentro dos quais a próxima geração pode se propagar com segurança, esse projeto é do conhecimento da maior parte da humanidade desde os dias em que começamos a andar eretos no Vale do Rift, no Leste da África. E no entanto este impulso raramente induziu pessoas a acreditar que ele pode estar incompleto sem um desejo sexual ardente ou frequentes sensações de desejo diante da visão da companheira.

Casamentos como o do príncipe William e Kate Middleton despertam fascinação

A crença na incompatibilidade, ou ao menos na independência, dos aspectos romântico, sexual e familiar da vida eram tomadas como sendo aspectos universais e pouco relevantes da vida adulta até meados do século 18, nos países mais prósperos da Europa, um incrível novo ideal começou a se formar em uma área em especial da socieade.
Este ideal propôs que as pessoas casadas daí para a frente deveriam não apenas tolerar um ao outro para o bem das crianças, como extraordinariamente deveriam também se esforçar para amar e desejar um ao outro profundamente ao mesmo tempo.
Elas deveriam manifestar nos seus relacionamentos o mesmo tipo de energia romântica que os trovadores mostravam em relação às damas que cortejavam e o mesmo entusiasmo sexual que havia sido explorado pelos entusiastas do erotismo da França aristocrática.
O novo ideal propagou pelo mundo a convincente noção de que uma pessoa poderia suprir suas necessidades mais prementes de uma só vez com a ajuda de apenas uma outra pessoa.
Não foi coincidência que o novo ideal de casamento tenha sido criado e apoiado fortemente por uma classe econômica específica, a burguesia, cujo equilíbrio de liberdade e repressão ela sinistramente espelhava.
Trabalho = escravidão
Em uma economia expandindo rapidamente graças aos desenvolvimentos técnicos e comercias, esta nova classe ascendente não precisava mais aceitar as expectativas restritivas das camadas inferiores. Com um pouco de dinheiro sobrando para propiciar distração, advogados burgueses e comerciantes podiam elevar suas expectativas e esperar mais de uma parceira do que meramente alguém ao lado, com quem se poderia enfrentar a passagem do próximo inverno.
Ao mesmo tempo, os recursos deles não eram ilimitados. Eles não tinham o tempo ocioso ilimitado dos trovadores, cuja riqueza herdada significava que eles poderiam passar três semanas sem maiores dificuldades exaltando a testa da mulher amada. Havia negócios para administrar e armazéns para fiscalizar.
A burguesia tampouco poderia se permitir a arrogância social dos aristocráticos libertinos, cujo poder e status havia lhes concedido uma confiança em relação a partir o coração alheio e destruir suas famílias - bem como os meios de ocultar quaisquer consequências desagradáveis de suas travessuras.

O casamento burguês

"O novo ideal propagou pelo mundo a convincente noção de que uma pessoa poderia suprir suas necessidades mais prementes de uma só vez com a ajuda de apenas uma outra pessoa."

Alain de Botton

A burguesia, portanto, não estava nem tão pressionada a ponto de não acreditar no amor romântico e nem tão libertada da necessidade de buscar envolvimentos eróticos sem limite. O desejo de encontrar a realização por meio do investimento em um única pessoa com a qual se firmou um contrato legal e eterno representava uma solução frágil para o equilíbrio específico de necessidades emocionais e restrições de ordem prática.

Não pode ser coincidência que uma união muito semelhante ente a necessidade e a liberdade tenha se tornado aparente na mesma época em relação àquele segundo pilar da felicidade moderna - o trabalho.

Durante séculos, a ideia de que o trabalho não seria outra coisa que não sofrimento pareceria totalmente implausível. Aristóteles havia dito que todo o trabalho remunerado era escravidão, uma avaliação sombria à qual o cristianismo acrescentou a crença de que os esforços do trabalho foram uma penitência ditada pelos pecados de Adão.

Mas ao mesmo tempo que o casamento estava sendo repensado, muitos começaram a argumentar que o trabalho poderia ser mais do que um vale de lágrimas em que se entrava para sobreviver - ele poderia ser um caminho para a auto-realização e a criatividade. Poderia ser tão divertido como algo que alguém fazia sem referências a dinheiro.

As virtudes que a aristocracia havia associado anteriormente a ocupações não-remuneradas passaram a estar disponíveis em certos tipos de empregos remunerados também, uma pessoa poderia transformar um hobby em um emprego. Uma pessoa poderia fazer por dinheiro o que ela pretendia fazer de qualquer maneira.

O ideal burguês de trabalho, como sua contrapartida marital, foi a representação de uma posição intermediária. Era necessário trabalhar para ganhar dinheiro, mas o trabalho poderia ser prazeroso - assim como o casamento não poderia fugir aos encargos normalmente associados à criação de filhos - e ainda assim ele não estaria desprovido de alguns dos prazeres de um relacionamento amoroso e de uma obsessão sexual.
A visão romanceada
A visão burguesa do casamento gerou uma série de comportamentos tabu que anteriormente haviam sido tolerados ou ao menos não haviam sido vistos como a causa da destruição de si mesmo ou de uma família - uma mera tórrida amizade com a esposa ou esposo de alguém, um fracasso sexual, adultério ou impotência. A ideia de que uma família poderia ser destruída porque alguém havia feito sexo com outra pessoa seria tão ridícula para um libertino como seria para um burguês a ideia de que ele poderia se casar com alguém que ele não adorava passionalmente.

CorpeteO progresso da burguesia romântica pode ser traçado na ficção. Os romances de Jane Austen ainda soam modernos porque as aspirações que seus personagens espelham - e ajudaram a moldar - as aspirações mantidas por nós. Assim como Elizabeth Bennett em Orgulho e Preconceito ou Fanny Price, em Mansfield Park, nós também ansiamos em reconciliar nosso desejo em ter uma família segura com sentimentos sinceros por nossos parceiros. 

Libertinos prezavam o prazer de desabotoar um corpete
Mas a história do romance também aponta para ideais sombrios do ideal romântico. Os dois maiores romances da Europa do século 19, Madame Bovary e Anna Karenina, nos confrontam com mulheres que, como era típico em suas épocas e em suas posições sociais, almejam uma série de qualidades em seus parceiros. Elas querem que eles sejam maridos, trovadores e libertinos. 

Mas tanto no caso de Emma como no de Anna, a vida só lhes oferece o primeiro entre os três. Elas ficam aprisionadas em um casamento economicamente seguro e sem amor, que em eras passadas poderia ser a causa de inveja e celebração - e que agora parece intolerável. Ao mesmo tempo, elas habitam um mundo burguês que não pode permitir suas tentativas de manter relacionamentos amorosos fora do casamento. Seus suicídios ao final ilustram a natureza irreconciliável do novo modelo de amor.

O ideal burguês claramente não é uma ilusão. Existem é claro casamentos que fundem perfeitamente bem os três ideias de ouro da realização - romântico, erótico e familiar.

Nós não podemos dizer, como os cínicos por vezes tentaram, que o casamento feliz é um mito. É infinitamente mais aflitivo que isso. É uma possibilidade - apenas uma possibilidade rara. Não há uma razão metafísica pela qual o casamento não vá honrar nossas expectativas - mas as possibilidades estão contra nós.

@acert_ com Alain de Botton

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